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Naquela sala...onde havia um tapete sobre o qual pousavas os pés descalços...
Na minha sala(onde mais parecia nossa), as paredes beges contrastavam com o marrom do tapete e o verde das almofadas que geometricamente eu tentava arrumar e a mesa de vidro...afinal sempre gostei de (alguma) transparência.
Nessa sala, as frestas de luz iluminavam as sombras do que sentias e as páginas dos livros que folheavas.
Na minha sala imaculadamente limpa, os copos não podiam ser pousados em qualquer lugar, as manchas eram inadmissíveis e o pó um visitante desconfortável e indesejado.
Nesse lugar onde vivias, todas as tuas pequenas imperfeições não podiam ser vistas, todas elas moravam debaixo do tapete, o espaço para onde eu varrias para que não ficassem à vista e violassem a absoluta quietude e perfeição do nosso espaço.
Debaixo do conforto superficial do tapete que nunca foi como o tapete da entrada onde toda a gente limpava os pés da sujeira acumulada.
Apenas fingias esquecer-me de uma coisa... a tua dualidade sempre se sentou ao teu lado na sala...e por você eu sempre quis ignorar que todos os tapetes precisam ser sacudidos e se não o fizer, alguém acabará por fazê-lo e tudo o que eu varria para lá, o tornaria tão sujo como o da entrada.
Sei que vivias na minha casa e nunca alguém antes compartilhava tanto o meu espaço comigo.Tinhas as chaves da porta e que tomaste lugar em cada pedaço do meu lar.
Foste tu,que dia a dia foi conhecendo todas as divisões e te tornaste tão familiar como a disposição dos sentimentos e os contrastes gritantes das cores. Da minha parte sempre preferi a geometria das mobílias e os tons quentes da minha intensidade, do teu lado havia a tranquilidade das cores e a contenção.
Pouco a pouco foste encontrando lugar em mim e marcaste presença com as tuas chaves perdidas com displicência e as cinzas dos cigarros abandonados nos cinzeiros.
Abrias as minhas janelas de par em par para arejar as divisões da saturação dos cheiros antigos, talvez porque ao abri-las estivesses a abrir também as tuas.
Havia encontro e aquele espaço também te pertencia.
Não sei há quanto tempo deixaste de morar em mim como moravas, nem tão pouco sei se o saberás.
Há quanto tempo deixei de morar em ti?
São respostas que não queremos obter, mais por medo, culpa, orgulho, raiva ou perda. Porque é o medo e a raiva que (ainda) nos aproximam, estranha ligação esta, que tão pouco sobrou do que um dia nos uniu.
As perguntas são reticências e incertezas e as respostas são definitivas, pontos finais e constatações.
Já há tanto tempo que não abro as janelas, já há tanto tempo que não encaixoto as coisas e mudo as mobílias de lugar.
Mas ainda há tanto por arrumar...e nós vamos adiando enquanto esta espera se arraste e (me) consome e percebo que você na verdade,nunca pertenceu realmente a esta casa.
Fechei a porta com estrondo e joguei fora tuas chaves...
E desde então que foste embora,como se fosse vc quem tivesse me abandonado...o espaços que ocupavas, está para alugar...
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["E se você sentir saudades,por favor não dê na vista..."]
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